sábado, 19 de janeiro de 2013

A propósito de quem prepara melhor os alunos

O jornal Público divulgou esta semana um estudo da Universidade do Porto onde se conclui que a escola pública prepara melhor os alunos para o percurso académico no ensino superior do que a escola privada.
Se a memória não me falha, já há algum tempo atrás surgiu na imprensa um estudo com conclusões semelhantes.
Estes estudos, apesar de apresentarem restrições (nomeadamente as relativas ao espaço geográfico a que os dados pertencem), devem ser tomados em consideração como indicadores relevantes no que respeita à aferição do sistema educativo português. Refiro, em especial, a aferição do contributo deste sistema para a organização e funcionamento da sociedade e o desenvolvimento do País.
Os últimos anos habituaram-nos a ver nos lugares de topo dos rankings as escolas privadas. Assim voltou a ser em 2012 (ver aqui). Em média, um aluno de uma escola privada teve um desempenho superior ao de um aluno de uma escola pública em cerca de 13 pontos (1,3 valores). Tal como o estudo da Universidade do Porto aceita como premissa, é um facto que, em média, as escolas privadas preparam melhor os alunos para os exames.
Estas duas realidades, a dos rankings e a dos estudos, aparentemente díspares, fornecem-nos matéria suficientemente relevante para análise. A meu ver elas levantam três questões fundamentais:
1ª) Porque é que as escolas privadas preparam melhor os alunos para os exames?
2ª) Como se interpreta o facto de os alunos das escolas públicas revelarem melhor desempenho no ensino superior?
3ª) Que consequências tem isto para o País?
Relativamente à 1ª questão, alguns factores estão na base da melhor preparação dos alunos das escolas privadas para os exames, mas a meu ver, dois são fundamentais: o perfil dos alunos e o tempo que dedicam ao estudo das matérias.
O perfil tem a ver com questões de classe social e económica, sendo este último factor cada vez mais importante neste País que tudo faz para aumentar a clivagem económica da sociedade, de nível de escolaridade dos progenitores, de investimento na educação dos filhos e de expectativas futuras dos alunos e seus encarregados de educação.
O tempo de estudo das matérias está relacionado com a falta de autonomia que as escolas públicas têm na gestão do currículo e, vamos admiti-lo também, com a falta de visão de alguns dos seus directores. Na verdade, o "milagre" das boas notas em exame está em boa parte relacionado com uma realidade muito simples: "obrigar" os alunos a ter mais tempo para tratar as matérias. Os colégios foram os únicos a ouvir os professores quando estes se queixavam "de os programas serem demasiado longos". Enquanto o Ministério fazia orelhas moucas a esta realidade, alguns colégios resolveram dar às disciplinas de exame mais carga horária semanal. Assim, os seus alunos têm muito mais tempo que os pares do ensino público para consolidarem cada capítulo dos programas. Ao fim dos dois ou três anos de vigência das disciplinas, por altura da data do exame, esse tempo de consolidação é, acreditem, o que faz a diferença. E a verdade é que essa consolidação é feita em sala de aula, isto é, no colégio. É claro que não estou a esquecer os apoios que os alunos dos colégios têm, nem sequer o trabalho a que regularmente são obrigados. Mas a diferença está no tempo que, em situação de aula, eles têm a mais para consolidar as matérias. Às vezes até me apetece dizer que foram os professores que estudaram por (com) eles!
A resposta à segunda questão também não é difícil e o entrevistado do Público, José Sarsfiel Cabral,  refere-a. Os alunos das escolas privadas andaram sempre mais amparados que os das públicas.  Como consequência, esses alunos das escolas privadas não desenvolveram suficientemente determinadas competências (ai que não posso falar em competências!) gerais que o sistema educativo tem por obrigação incutir nos jovens que terminam o ensino secundário. Tais competências têm a ver, por exemplo, com autonomia, iniciativa, responsabilidade, adaptabilidade, organização e planificação. O ensino superior público, pelo menos aquele ministrados nas principais universidades deste país, exige que estas competências estejam bem desenvolvidas. Ora o aluno do ensino público, na maior parte dos casos, teve de as usar já no ensino secundário para ter sucesso e aceder ao ensino superior. Um verdadeiro ensino superior pressupõe que o aluno caminhe com os seus próprios pés e sapatos. E quanto mais depressa o aluno o fizer, mais rapidamente terá sucesso.
A terceira questão é a mais importante, principalmente numa época em que se advoga a extinção da escola pública. A análise feita às duas questões anteriores, mesmo considerando a relatividade da opinião de quem a realizou, apresenta um facto que é claro. O sistema educativo está a menosprezar competências gerais fundamentais na formação dos jovens portugueses. Ao fazê-lo está a colocá-los em desigualdade com os seus pares dos países mais desenvolvidos e está também a condicionar a capacidade competitiva futura deste País num mundo cada vez mais globalizado.

Duas notas finais.
A primeira, para dizer que nada tenho contra as escolas privadas, nem estas linhas que escrevi são manifestação de tal sentido de opinião. Gostava até que as escolas públicas conseguissem dar aos seus alunos mais tempo para trabalharem os longos programas a que estão sujeitos. Mas incomoda-me o que se está a fazer às escolas públicas. Faz-me lembrar aquelas habilidades de Wall Street, em que se estraga propositadamente algo para depois comprar esse algo a baixo preço e ter um negócio da China.
A segunda, para dizer que tudo o que escrevi deixa de fazer sentido num país (imaginário!) em que a promoção e a valorização das pessoas se faz pelas amizades e compadrios ou pela pertença a oligarquias.

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