quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Governo de Portugal - Documento de Estratégia Orçamental

Governo de Portugal - Documento de Estratégia Orçamental

O Problema da Avaliação


Todos os anos a comunicação social apresenta alguns títulos sobre os resultados dos Exames Nacionais. É costume também, o Ministério da Educação se apressar a apresentar um conjunto de medidas, a maior parte delas avulsas, para dar resposta aos problemas que tais resultados põem a descoberto.
Apesar do Governo ser novo, este ano não foi excepção. Louva-se o desaparecimento da Área Projecto e a diminuição do Estudo Acompanhado, saúdam-se as apostas na Língua Portuguesa e na Matemática, mas ficaremos desapontados se estes pequenos ajustamentos forem apelidados de verdadeiras soluções.
Na realidade, o problema do Ensino Público em Portugal é muito simples de enunciar: Como é que a Escola Pública pode ser exigente e rigorosa nas aprendizagens sem que, simultaneamente, produza mais insucesso ou abandono?
Já sabemos como é que os Governos Sócrates actuaram perante este binómio. Proibiram administrativamente o insucesso e o abandono e abdicaram das aprendizagens. A questão agora é saber como Nuno Crato vai actuar. Existe uma enorme esperança, nomeadamente na classe docente, em que o privilégio vá para as aprendizagens. Existe também um pressentimento de que a máquina do Ministério e a pressão das estatísticas rapidamente esfriem este propósito.
Na base o problema enunciado está a avaliação, quer a interna que as escolas definem e praticam, quer a externa que o Gabinete de Avaliação Educacional impõe.
No que respeita à segunda, apenas se espera que o Ministro leve à prática o que publicamente tem dito. É preciso regular a avaliação externa. Regular, no sentido de acabar com as disparidades que apresenta de ano para ano ou mesmo de fase para fase. Regular, para a tornar efectivamente congruente com os currículos sobre os quais incide. Regular, de modo a que haja transparência quer sobre os conhecimentos, as técnicas, os métodos e as competências que se querem avaliar em situação de exame, quer sobre os diferentes níveis de dificuldade que a cada um destes itens está associado. Regular, enfim, para que a avaliação externa esteja ao serviço da Educação e não da propaganda dos Governos.
Relativamente à avaliação interna, aquela que as escolas definem e implementam, muito há também a mudar. Os últimos quinze anos, com ênfase especial para os da governação Sócrates, obrigaram as escolas a praticar a avaliação de uma forma totalmente diferente. Muitas vezes por decreto, outras por pressão sobre os professores, as escolas viram-se coagidas a produzir sucesso estatístico e escolaridade obrigatória. Passada a nuvem de poeira, que se foi mantendo durante alguns anos para alguns mas que agora se dissipou para a maioria, percebeu-se que o sucesso dos números resultou em facilitismo, no aumento das dificuldades para quem trabalha com crianças e jovens numa escola e, mais importante, num acentuar de desigualdades sociais. Os que mais precisavam da Escola Pública, isto é, aqueles que só com ela podiam contar para adquirirem as bases mínimas que lhes projectassem alguma evolução social, passaram pela Escola sem dela tirar partido. Os outros, aqueles que puderam sempre ser acompanhados ou fizeram o seu percurso no privado, estão socialmente num patamar mais distante.
É preciso reorientar a avaliação que as escolas praticam. Para tal, várias decisões devem ser tomadas.
A progressão dos alunos, de um ano de escolaridade para o seguinte, deve voltar a ter regras claras, especialmente no Ensino Básico. Não é admissível que a progressão seja automática ou baseada na especulação sobre o desempenho do aluno nos anos seguintes. A legislação que sustenta a avaliação, de modo a fomentar a justiça e a equidade das classificações que se exige, deve ser melhorada, tornando-se mais pragmática, menos burocrática e não contraditória.
A filosofia vigente sobre os modos de avaliar deve também ser questionada. Os pruridos que existem sobre alguns aspectos da escola tradicional devem ser abandonados. A importância do teste escrito como instrumento de avaliação deve ser assumida sem complexos.
A separação de papéis é também uma necessidade. O dever e a competência de avaliar são dos professores, não dos Pais e Encarregados de Educação.
O peso que as escolas definem nos critérios de avaliação para os parâmetros relativos aos domínios do “ser” e “estar” têm que ser regulados. Há deveres, atitudes e comportamentos que são intrínsecos à própria função de ser aluno numa escola. Quantificá-los nos critérios de avaliação é o primeiro passo para considerar que eles podem não acontecer e, mais grave, que a escola lançará na sociedade jovens que nunca assumiram regras básicas de cidadania.
A definição dos critérios de avaliação também não pode continuar a ser o instrumento de que algumas escolas se servem para competir com as outras ou para garantir alunos. Assiste-se hoje a uma verdadeira inflação de notas. Basta analisar o fosso entre as classificações internas e externas de algumas disciplinas ou passar os olhos pelas pautas de determinas disciplinas em algumas escolas para se perceber a dimensão dessa inflação. É preciso regular este aspecto pois, em muitos casos, esta inflação representa uma desigualdade social que está directamente relacionada com a capacidade económica das famílias. Neste contexto, aliás, talvez não seja de todo absurdo pensar na separação definitiva entre a conclusão do Ensino Secundário e a admissão ao Ensino Superior ou, pelo menos, na maximização do peso dos resultados dos Exames nacionais nessa admissão.
É preciso, enfim, que a avaliação cumpra o seu papel, não só no sentido de dar credibilidade à certificação, mas também de garantir a sustentabilidade dos processos de ensino/aprendizagem.
Voltando ao problema enunciado, a aposta na aprendizagem efectiva tem custos. O insucesso e o abandono escolares surgem logo à cabeça e serão difíceis de suportar por qualquer Governo. O enfraquecimento do ensino privado como área de negócio é outro desses custos. Por isso, é com expectativa que se aguardam as decisões de Nuno Crato. Será ele fiel aos princípios que apregoou nos últimos anos? Será capaz de assumir e enfrentar as consequências que daí advirão?
Este é, em simultâneo, o desafio e a esperança da Escola Pública em Portugal.