sexta-feira, 27 de julho de 2012

Horários zero: o dia seguinte!

Hoje terá sido um dia de alívio para muitos professores, que se viram "repescados" pelos seus directores, saindo assim do concurso de destacamento por ausência de componente lectiva. Muitos outros continuam ainda a viver a angústia de não ter horário. Mas alguns deles verão a sua esperança de os ter concretizada, pois até dia 14 de Agosto tudo ainda é possível.
Duas semanas de caos, marcadas pelo trabalho sob pressão dos directores e pela frustração e incerteza dos docentes. Alguns quererão esquecer rapidamente estes dias.
Penso, no entanto, que o que se passou merece grande reflexão por parte de todos.
As linhas seguintes traduzem o que penso sobre o assunto.
  1. Ficou claro, mais uma vez, que "os primados de natureza pedagógica" que deviam sobrepor-se a todo o resto em Educação, são o parente pobre que facilmente é esmagado ou esquecido quando chega a hora de contar horas, alunos, professores ou euros. Nem preciso de falar de número de alunos por turma ou de mega-agrupamentos. Basta-me imaginar as engenharias de horários que se estão a fazer para garantir horas lectivas. Quantos alunos serão obrigados a ter disciplinas de opção que não queriam? Quantas vezes a continuidade pedagógica terá ido às malvas? Quantos professores vão leccionar disciplinas fora do seu grupo de docência, cujas matérias nunca viram à frente?
  2. Uma das coisas que mais me irrita é que me atirem areia para os olhos. Prefiro a sinceridade e a coragem de me falarem verdade, mesmo que ela seja muito dura. Ora, a areia aqui toma forma em várias palavras ou expressões: "Autonomia" e "Sucesso e Prevenção do Abandono Escolar" são duas delas. Aceitava isto melhor se me dissessem: "Olha, não há alunos, não há dinheiro para pagar aos professores e a troika assim o exige, logo, fizemos o decreto de organização do próximo ano lectivo desta maneira por causa disso". Mas não, não disseram assim. Disseram que esta era a maneira de dar mais autonomia à escolas e de elas terem mais instrumentos para contribuírem para o sucesso dos alunos. O número de horários zero declarados pelas escolas e agrupamentos (que, pelos vistos, é segredo de estado) demonstram bem a autonomia que as escolas têm!
  3. A mesma falta de autonomia fica também a descoberto quando nos apercebemos da visão centralista do Ministério da Educação (não só deste mas também dos anteriores). Esta questão dos horários zero ilustra bem o papel que o Ministério definiu para os directores das escolas e agrupamentos: paus mandados do centralismo de Lisboa, neste caso das suas direcções gerais. Poucos terão sido os directores que não entraram em pânico com a ameaça centralista e desataram a meter na aplicação informática todos os professores que puderam e mais alguns para prevenir! E muitos deles nem a coragem de comunicar, cara-a-cara, a situação ao professor tiveram. É claro que quando a circular chegou às escolas nenhuma delas podia fazer previsões mais ou menos seguras. Ainda nem os exames tinham acabado e muitas matrículas estavam por fazer. Todo o trabalho de projecção do próximo ano lectivo estaria ainda no início, se é que já tinha arrancado. Mas, mesmo assim e apesar de algum protesto, avançaram e meteram lá os docentes. Afinal de contas, não devia ser assim tão difícil preencher a dita aplicação informática. Os directores cumpriram a ordem e com isso cumpriram bem o seu papel de assegurar que o centralismo superior não fosse colocado em causa. E, ao mesmo tempo que o fizeram, mostraram a autonomia que não têm e que também não querem ter.
  4. Consigo imaginar a angústia dos que estão em horário zero pois, há alguns anos atrás, estive próximo de uma situação dessas. Sentimo-nos descartáveis. Questionamos todo o nosso passado e as opções que tomamos. Toda a nossa auto-estima parece ter desaparecido. Interrogamo-nos sobre o futuro e tememos por aqueles que dependem de nós. Olhamos agora para os colegas que (ainda) têm horário e não percebemos o que é que eles têm a mais do que nós para conseguirem segurar esse horário. Sentimos agora como eram mesquinhas as pretensões que no passado tínhamos quando lutávamos por ter um determinado ano de escolaridade ou um determinado turno no nosso horário lectivo. Tudo isto deixa marcas na nossa maneira de ser e, podem crer, no como seremos na nossa profissão a partir daqui. É uma espécie de perda da inocência. O entusiasmo será substituído pela obrigação! 
  5.  É claro que o Ministro deu um enorme tiro nos pés. Parte disto seria evitado se às escolas tivesse sido dado o tempo que necessitam para preparar o próximo ano lectivo. Digo parte, pois a falta de alunos, a reorganização curricular e respectivas orientações e os mega-agrupamentos tinham, obrigatoriamente, que resultar em falta de trabalho. Era isso que se pretendia. É este o "programa de reajustamento" da troika. Mas, pelo menos, muitos professores teriam sido poupados a este pesadelo.
  6. Não tenham ilusões quanto ao próximo ano. Muitos daqueles professores que este ano ainda conseguiram escapar, para o ano não têm safa. É que para o ano o Ministro já não virá com paliativos. Numa visão mais maquiavélica do assunto, penso até que tudo isto foi preparado de propósito para as pessoas tomarem este ano consciência do problema e se irem preparando para aceitarem melhor o que para o ano acontecerá.
Acabo com o seguinte desabafo. Somos apenas números. Somos funcionários públicos e ainda por cima professores, os grandes responsáveis pelo dinheiro mal gasto de quem nos governou e por tudo o que de mal acontece neste país.
Somos dispensáveis!

1 comentário:

Point du Lac disse...

Não posso concordar com a última afirmação do texto. Apesar de ser estudante e não estar a passar por esta situação que muitos professores passam neste momento, sem professores não se constrói uma sociedade decente. É triste, mas penso que se os professores ficarem ainda mais desmotivados são os alunos que vão sofrer e futuramente o país. Espero mesmo que esta situação se resolva o mais rapidamente possível. Quero ainda acrescentar que o entusiasmo não pode nunca ser substituído por obrigação! Por mais esforço que se tenha de fazer, aulas dadas sem entusiasmo não são aulas: onde estará a motivação dos alunos para continuar a estudar e para procurar saber mais?
E por último, os professores são indispensáveis.